quarta-feira, 10 de junho de 2009

Correlatos da Emoção em Psicopatas

Antonio de Pádua Serafim, Ph.D
Núcleo de Psiquiatria e Psicologia Forense (NUFOR)
Serviço de Psicologia e Neuropsicologia
Instituto de Psiquiatria - HCFMUSP
As vivências como a alegria, a tristeza, o medo, a raiva e o amor fazem parte da dinâmica de vida do ser humano, e são expressas diariamente, dentro de uma manifestação considerada tolerável (GRIFITHS, 1997).

Todavia, vários fatores podem contribuir para uma expressão desproporcional à situação desencadeadora, tais como: doenças metabólicas e endócrinas, lesões no sistema nervoso central, transtornos de personalidades (boderline, paranóica, dependente, narcísica, explosiva; anti-social), psicoses, abuso e dependência de álcool e drogas, etc (HART e HARE, 1996; TIEDENS, 2001).De acordo com TIEDENS (2001) as alterações da expressão das emoções se configuram pelo seu exagero ou por sua total ou parcial ausência. Essas alterações na expressão do medo (baixa resposta de ansiedade, por exemplo), raiva (nível elevado) e amor (redução de expressão de docilidade), são consideradas importantes fatores de risco para as condutas socialmente inadequadas.

Há um consenso na literatura de que essas características apresentam-se com maior intensidade e freqüência em sujeitos portadores de transtorno de personalidade anti-social, colaborando para a manifestação de comportamentos e condutas violentas, caracterizadas por manifestações de brutalidade, crueldade, indiferença emocional, ausência de culpa ou remorso (LYKKEN, 1995; HART e HARE, 1996; MILLON, et al., 1998; HARE, 1999, SERAFIM, 2005). LORENZ (2002), HALE (2004) e SERAFIM(2005) também observaram que alguns sujeitos condenados por crimes violentos (como estupro e homicídio) e classificados com transtorno de personalidade anti-social apresentam baixos níveis de ansiedade, elevados níveis de impulsividade e ausência de sentimentos éticos.Essa descrição converge para a hipótese de que esses indivíduos apresentam uma inadequação no funcionamento do sistema nervoso autônomo, diferentemente de pessoas consideradas normais.

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Segundo MILLON (1998) e LEVENSTON et al. (2000) esses indivíduos não manifestam o tipo mais comum de comportamento agressivo, que é o da violência acompanhada de descarga emocional (geralmente raiva ou medo) e nem ativação do sistema nervoso simpático (dilatação das pupilas, aumento dos batimentos cardíacos e respiração). Seu tipo de violência é similar à agressão predatória, que é acompanhada por excitação simpática mínima ou por falta dela, e é planejado, proposital, e sem emoção ("a sangue-frio"). Os estados afetivos apresentam-se sem reciprocidade e sem um verdadeiro interesse pelo outro.

Esse déficit na resposta emocional se apresenta como um importante aspecto dominante comumente observado na literatura científica sobre o comportamento de alguns criminosos, notadamente quando este se apresenta com manifestações explícitas de requintes de “sadismo, crueldade e frieza” (LEVENSTON et al., 2000).

Quando falamos de “frieza emocional”, estamos pensando naquelas pessoas que não esboçam o menor sinal de constrangimento, tensão ou ansiedade diante de uma situação estressante. O termo ansiedade caracteriza um estado emocional inserido no espectro de normalidade das experiências humanas composto de componentes psicológicos e fisiológicos. Uma resposta de ansiedade, geralmente reflete uma resposta de adaptação a uma situação de ameaça ao organismo.

Esta resposta, impõe ao animal ou ser humano mobilizações fisiológicas tais como alterações da freqüência cardíaca, respiratória, condutância elétrica da pele, sudorese, palidez ou ruborização (GROSS e HEN, 2004; ANTAI-OTONG, 2003). A ansiedade pode ser dividida em estado e traço.

De acordo com SPIELBERGER et al. (1979) o estado de ansiedade é conceitualizado como um estado emocional transitório ou condição do organismo humano que é caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos e por aumento na atividade do sistema nervoso autônomo.

O traço de ansiedade por sua vez, refere-se a diferenças individuais relativamente estáveis na propensão à ansiedade, isto é, a diferença na tendência de reagir a situações percebidas como ameaçadoras.LORENZ e NEWMAN (2002) observaram que diante de situações geradoras de estresse, criminosos com psicopatia apresentam em geral baixas respostas de ansiedade estado, comparados com sujeitos normais. Este padrão de comportamento tem corroborado a hipótese da existência de uma deficiência em suas reações aos estímulos evocadores de medo. Esse funcionamento estaria diretamente envolvido com a possível causa de sua insensibilidade (PATRICK 1994; SCHIMITT e NEWMAN, 1999).EMERY e AMARAL (2000) sugerem que a principal falha da estrutura emocional - baixos níveis de respostas de ansiedade - está relacionada com a amígdala cerebral. A amígdala, localizada na profundidade de cada lobo temporal anterior funciona de modo íntimo com o hipotálamo e mantém conexão direta com o lobo pré-frontal. A sua principal função é identificar situações de perigo que geram medo e ansiedade. A percepção seja de medo ou ansiedade, leva animais e humanos a ativar um estado de alerta, preparando-os para possíveis reações de fuga ou enfrentamento.

Em animais com lesões nas conexões da amígdala o estado de alerta não é ativado frente a uma situação de ameaça (LeDOUX, 1996). GRAY (1978) verificou que lesões no septo e no hipocampo dorsal têm efeitos semelhantes aos de ansiolíticos, isto é, reduzem os níveis de ansiedade (sistema de inibição comportamental). Para GRAY o sistema de inibição comportamental é resultado da ativação por três tipos de estímulos: 1) estímulos condicionados aversivos que adquirem essa propriedade por terem sido associados anteriormente com estímulos aversivos incondicionados ou pela sinalização de uma não recompensa (frustração); 2) estímulos inatos de perigo, como aqueles que sinalizam ameaças que são específicas de cada espécie, como predadores; 3) estímulos ou situações novas, que se caracterizam por fontes de satisfação de necessidades biológicas (recompensa) ou podem ser revestidos pela percepção de risco de ameaças imprevisíveis (ameaça). Quando o sistema inibitório é ativado o padrão de comportamento comumente observado é o congelamento ou a imobilidade intensa, seguido do aumento da vigilância e da atenção em decorrência de perigos em potencial (GARAVAN et al., 2001).

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Aparentemente nos psicopatas predomina um padrão de funcionamento que inibe a ativação do sistema inibitório descrito por GRAY (1978) considerando principalmente a percepção antecipatória de perigo ou punição. Em outros estudos PATRICK (1994) avaliou agressores criminosos psicopatas que foram solicitados a observar projeções de imagens do acervo do IAPS. Enquanto os criminosos olhavam para as imagens eles eram assustados subitamente com sons inesperados.

Quando pessoas normais estão vendo imagens agradáveis, a resposta de susto (um piscar de olhos, por exemplo) é de menor magnitude do que quando as imagens são desagradáveis (representando agressão, sangue, horror, por exemplo), isto é, diante de imagens desagradáveis há aumento na ativação dos músculos da face. Imagens neutras têm uma resposta de susto no ponto intermediário daquelas de prazer e desprazer (PATRICK et al., 1993). Com alguns criminosos observou-se um padrão oposto: piscaram menos os olhos em resposta ao barulho quando estavam assistindo imagens desagradáveis. Entretanto, somente os criminosos psicopatas apresentaram uma característica de indiferença emocional para esta situação experimental (PATRICK et al., 1993). O processo de investigação experimental desse padrão de funcionamento emocional em psicopatas teve início na década de 50. Entretanto, utilizando registros poligráficos e eletroencefalograma GOLDSTEIN (1965) observou que em pessoas normais quando submetidas a situações experimentais estressantes há uma estreita relação entre a ativação do sistema nervoso autônomo e o córtex cerebral, medida pelo eletroencefalograma. Esses sujeitos apresentaram um maior tempo para recuperar o padrão fisiológico após uma experiência de medo ou tensão comparados aos psicopatas. Nos psicopatas a responsividade cortical sob tensão (isto é, a capacidade de avaliar uma situação como geradora de tensão, manifestar alterações fisiológicas autonômicas como o ritmo cardíaco e restabelecer o equilíbrio dessa alteração) apresenta-se com uma flutuação ou variação menor que outros sujeitos, isto é apresentam um excesso de ondas lentas. HARE (1968) sugere que esse mecanismo não ocorre nos psicopatas porque eles apresentam um rebaixamento do estado de excitabilidade cortical. DAMÁSIO (1996) postulou a hipótese do “marcador somático” com o objetivo de explicar esse padrão emocional dos psicopatas. Indivíduos normais ativam os chamados "estados somáticos" (alterações na freqüência cardíaca e respiração, dilatação das pupilas, sudorese, expressão facial, etc.) em resposta à punição associada às situações sociais. Por exemplo, uma criança quebra alguma coisa valiosa e é punida severamente por seus pais, evocando estes estados somáticos. Da próxima vez que ocorrer uma situação similar os marcadores somáticos são ativados e a mesma emoção associada à punição é sentida. De modo a evitar isto, a criança suprime o comportamento indesejado.

De acordo com DAMÁSIO (1996) pessoas com danos no lobo frontal são incapazes de ativar estes marcadores somáticos. Para esse autor: "isto deprivaria o indivíduo de um dispositivo automático para sinalizar conseqüências deletérias relativas a respostas que poderiam trazer a recompensa imediata". E isto explica também porque os psicopatas e pacientes com danos no lobo pré-frontal mostram poucas respostas autonômicas a palavras condicionadas socialmente e imagens com conteúdo emocional, mas têm respostas normais a estímulos incondicionados.Estudos utilizando a neuroimagem associada a palavras de diferentes conteúdos emocionais têm demonstrado que as regiões pré-frontais e áreas relacionadas a amígdala cerebral e ao sistema límbico são intensamente ativadas em pessoas normais, o que não se observa nos psicopatas (KIEHL et al., 2001; KIEHL et al., 2004; BLAIR, 2004).

Os achados neuroanatômicos como possíveis fatores associados ao déficit emocional em criminosos psicopatas ainda não são consistentes, visto que, o número de sujeitos que apresentam alguma alteração morfológica é baixo em relação aos que não apresentam essas alterações (JOZEF e SILVA, 1999; LAPIERRE et al., 1995; GORENSTEIN, 1982). Todavia, ao abordarmos os aspectos etiológicos da psicopatia, cometeremos um importante erro, caso, descartarmos a integração dos fatores biológicos, psicológicos e sociais.